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Modelo de Petição Revisional - Plano de Saúde Coletivo:

Os Planos de Saúde vêm impondo  majoração abusiva  aos idosos-consumidores, por mudança de faixa etária,  sinistralidade. Além das diver...

domingo, 25 de dezembro de 2011

ALIENAÇÃO PARENTAL: UMA FORMA DE EXCLUSÃO DO DIREITO À FAMÍLIA



Rosaury Francisca Valente Sampaio Muniz

RESUMO: O trabalho focaliza a crise instalada, quando da ruptura das relações conjugais, como uma situação em que o guardião de uma criança ou adolescente as treinam para romper os laços afetivos com o genitor. Os sentimentos de ansiedade, temor em relação ao outro e o afastamento do genitor do convívio afetivo, interferem negativamente no desenvolvimento psicológico e social dos filhos, o que  caracteriza a Síndrome da Alienação Parental. O objetivo desta pesquisa é analisar a Síndrome da Alienação Parental, sua instalação, comportamento do alienador parental, efeitos da alienação parental, a lei nº 12.318/10 que trata sobre Alienação Parental e a Síndrome de Alienação Parental no Poder Judiciário. Mediante pesquisa bibliográfica e legislação específica, este estudo busca uma breve reflexão acerca da temática e suas implicações no âmbito da família e da sociedade.


PALAVRAS-CHAVE: Alienação parental; Família; Sociedade; Direito


INTRODUÇÃO

Com as transformações pelas quais o mundo tem passado, o traçado preciso que regulava o casamento perdeu a sua rigidez. A criação de um novo direito familiar, a ascensão da mulher a postos antes ocupados somente pelo homem e outros fatores externos ao casamento contribuíram para uma nova disposição, de certo modo, arredia quanto à visão ortodoxa de sociedade conjugal.

Essa sociedade, não diferentemente das demais, entra em crise, podendo desencadear a ruptura da relação entre marido e mulher, cujos efeitos se estenderão aos parentes, amigos e, principalmente, aos filhos, de forma a comprometer o grupo familiar.

Segundo Trindade (2004, p. 172), o litígio estabelecido entre o casal encontra dentro do âmbito jurídico, com a prolação da sentença pelo juízo, a sua resolução. Por outro lado, as questões de ordem afetiva e emocional, que têm sua gênese muito antes da contenda judicial, prolongam-se e repercutem no grupo familiar por mais tempo. Os processos jurídicos e psicológicos que envolvem as rupturas conjugais não são, necessariamente, paralelos, embora faça parte de uma mesma tessitura, razão pela qual o Direito de Família tem emprestado maior atenção às questões de ordem psíquicas.

O processo de desfazimento da vida conjugal gera, muitas vezes, um sentimento de abandono, rejeição e traição, convergindo para a vingança, em que o ex-cônjuge, aquele que detém a guarda, busca com a desmoralização, desqualificação e descrédito do outro, afastá-lo dos filhos.


Para tal, o cônjuge inconformado com a perda passa a dificultar o encontro dos filhos com o ex-cônjuge, criando e praticando estratégias que impeçam a relação, ao tempo em que constrói e implanta, na mente das crianças, a imagem de um pai ou mãe, que deverá ser rejeitada, instalando-se, a partir daí, o dano afetivo pela ausência de convívio com o pai ou a mãe, o qual é denominado de Síndrome de Alienação Parental.


SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL

A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é o termo proposto por Richard Gardner em 1985, para a situação em que a mãe ou o pai de uma criança a treina para romper os laços afetivos com o outro genitor, como forma de vingança, criando fortes sentimentos de ansiedade e temor em relação ao outro.

Essa Síndrome situa-se na interseção entre o Direito e a Psicologia quando das dissoluções conjugais, em que os filhos e os bens patrimoniais são objeto de demandas e disputas judiciais, sendo tais disputas pelos filhos, muitas vezes, estendidas aos avós, quando da ausência ou morte  de um dos genitores.

No século XIX, quando os filhos e a mãe eram propriedades do varão e este detinha as melhores condições econômicas, presumindo-se que no caso de dissolução do casamento, também era o mais apto à guarda e proteção dos filhos. No século XX, o entendimento era o de que os filhos pequenos deveriam ficar sob os cuidados maternos, o que foi concluído pelas cortes americanas, na década de 70, como uma teoria sexista, entendendo, estes que a guarda deveria obedecer ao critério da capacidade parental, independente do sexo do genitor.

Já no século vigente tem-se um paradigma norteador do poder familiar assentado no melhor interesse da criança e na sua proteção integral, em que ambos os genitores têm a responsabilidade pelo cuidado, acompanhamento e educação dos filhos, conforme estatuem os artigos 1.630 e seguintes do Código Civil de 2.002 e o artigo 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1.990.


ENTENDENDO A ALIENAÇÃO PARENTAL

Alienação parental é a rejeição do genitor que ‘ficou de fora’ pelos seus próprios filhos, fenômeno este provocado normalmente pelo guardião que detém a exclusividade da guarda sobre eles. Esta guarda única permite ao genitor que a detém com exclusividade, a capacidade de monopolizar o controle sobre a pessoa do filho, como um ditador, de forma que ao exercer este poder extravagante, desequilibra o relacionamento entre os pais em relação ao filho. A situação se caracteriza quando, a qualquer preço, o genitor guardião que quer se vingar do ex cônjuge, através da condição de superioridade que detém, tenta fazer com que o outro progenitor ou se dobre às suas vontades, ou então se afaste dos filhos.

Esse é um processo movido pela vingança, no qual após o desmoronamento da vida conjugal um cônjuge busca destruir os vínculos dos filhos com o outro genitor, usando de diversas estratégias para desqualificar o outro. Segundo Berenice Dias (2008, p.1), “o filho é utilizado como instrumento da agressividade direcionada ao parceiro. A mãe monitora o tempo do filho com o outro genitor e também os seus sentimentos para com ele”.

Levando em consideração que a guarda dos filhos é concedida às mulheres na maioria dos casos, salta aos nossos olhos que a maior incidência de casos de alienação parental é causada pelas mães, podendo, todavia ser causada, também, pelo pai, daí a conceituação defendida por Berenice Dias, exaltando a mãe alienadora, seguida da maioria dos estudiosos sobre o tema.

Já Podevyn, (2001, p.1) afirma que a “Alienação Parental é um processo que consiste em programar uma criança para que odeie um de seus genitores sem justificativa”, adotando uma definição sem especializar o sexo.

            Pode-se entender, ainda, a Alienação Parental como uma forma de maltrato ou abuso perpetrada pelo detentor da guarda ao destruir a relação do filho com o outro, assumindo o controle total, fazendo com que o filho o veja como um intruso, um invasor, caracterizando de forma cristalina a Síndrome da Alienação Parental (SAP) como


[...] um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a "lavagem cerebral, programação, doutrinação") e contribuições da própria criança para caluniar o genitor-alvo. Quando o abuso e/ou a negligência parentais verdadeiros estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e assim a explicação de Síndrome de Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável (GARDNER, 2002, p.2 ).


Por essa razão, faz-se mister o acompanhamento de um profissional da área da saúde mental para a  realização de um diagnóstico, que  assegure a inexistência do verdadeiro abuso parental, confirmando que o genitor alienado não mereça, de forma nenhuma, ser rejeitado e odiado por seu filho.

Em outra mão, uma vez detectada a existência do problema, este deverá ser tratado de forma individual, conforme nos esclarece Jorge Trindade (2007, p. 114), quando afirma que, “[...] a Síndrome de Alienação Parental exige uma abordagem terapêutica especifica para cada uma das pessoas envolvidas, havendo a necessidade de atendimento da criança, do alienador e do alienado”.


COMO A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL SE INSTALA

Durante algum tempo, após a ruptura da relação conjugal, a guarda dos filhos era, naturalmente, função materna. Ao genitor eram permitidos encontros previamente estabelecidos, como: finais de semanas, comemorações natalinas e a passagem de ano, geralmente alternados, contabilizando um tempo muito curto para que houvesse o estreitamento e aprofundamento dos vínculos afetivos entre pai e filhos.

Atualmente, com as responsabilidades e os direitos compartilhados, o pai tem demonstrado, de forma ainda parcimoniosa, o interesse em participar, ativamente, da vida cotidiana dos filhos, algo impensável para a sociedade machista do passado, ganhando a mídia, por novidade que é a disputa judicial pela guarda dos filhos.

Então, começa uma guerra com o fim único de afastar o filho do seu genitor, executando manobras prazerosas, com o intuito de fazer o filho odiá-lo tanto quanto o outro, chegando a manipular situações que levem a crer que o filho está sendo vítima de abuso sexual pelo genitor que não detém a guarda.

Berenice Dias (2006) afirma que a criança não consegue distinguir entre a verdade e a mentira e finda acreditando naquilo que lhe foi insistentemente repetido. Interioriza as personagens criadas e, com o tempo, julga tê-las vivenciado, ao que se denomina de implantação de falsas memórias.

A memória pode ser entendida como sendo a capacidade de registrar, armazenar e manipular informações provenientes de interações entre o corpo, o cérebro e o mundo externo. É a base de nossos sentimentos e está fortemente relacionada com o aprendizado, vez que a memória resgata os conhecimentos aprendidos. Kandel (2009, p.27) diz que “[...] sem a viagem mental no tempo que a memória nos possibilita [...],não teríamos nenhum meio de nos recordarmos das alegrias que servem como marcos luminosos em nossas vidas [...]”.

            A criança construirá a sua memória, identidade pessoal e sexual a partir da relação estabelecida no convívio com os pais e a Alienação Parental que, contextualizada na raiva e desejo de vingança, afasta um dos genitores, dificultando essa construção. A memória, no entanto, pode ser manipulada e criada a partir de fatos ilusórios, levando a pessoa a crer fielmente que o fato ocorreu e, com seu douto saber, nos assegura Jorge Trindade (2010, p.203), que a Síndrome das Falsas Memórias,


[...] traz em si a conotação das memórias fabricadas ou forjadas, no todo ou em parte, na qual ocorrem relatos de fatos inverídicos, supostamente esquecidos por muito tempo e posteriormente relembrados. Podem ser implantadas por sugestão e consideradas verdadeiras e, dessa forma, influenciar o comportamento.


Assim, temos que a implantação de falsas memórias se consubstancia em importante mecanismo para conformação da Alienação Parental, perpetrada com o objetivo de aniquilar as relações afetivas entre pais e filhos.

Temos que o fenômeno da Alienação Parental não se materializa apenas com as atitudes dos genitores. Existem diversas ações judiciais impetradas pelos avós, pretendendo a guarda dos netos sob as mesmas alienações contra o genitor. Na ausência ou morte de um dos genitores, os avós ocupam a posição de alienadores, sustentando acusações de cunho sexual com o fito de destruir a personalidade do genitor e, conseqüentemente, a rejeição dos pais pelos netos, como poderemos verificar nos relatos de casos exemplificados mais adiante.


COMPORTAMENTO DO ALIENADOR  PARENTAL

            O alienador, ignorando e violando o princípio de que cada genitor deve favorecer o desenvolvimento positivo da relação entre os filhos e o outro genitor, põe-se  sob o falso  manto de protetor do filho,  não enxergando limites para corroer, seriamente, essa relação e se lança em uma saga de práticas e atos desarrazoados para obter a sua vitória.

Segundo Gardner (2010, p.1), pode se observar, com certa freqüência, os mesmos comportamentos no genitor alienador que sabota a relação entre os filhos, tais como:  recusar-se a passar chamadas telefônicas aos filhos; excluir o genitor alienado de exercer o direito de visitas; apresentar o novo cônjuge como sua nova mãe ou pai; interceptar cartas e presentes; desvalorizar ou insultar o outro genitor; recusar informações sobre as atividades escolares, a saúde e os esportes dos filhos; criticar o novo cônjuge do outro genitor; impedir a visita do outro genitor; envolver pessoas próximas na lavagem cerebral de seus filhos; ameaçar e punir os filhos quando se comunicam com o outro genitor; culpar o outro genitor pelo mau comportamento do filho; organizar várias atividades com os filhos durante o período que o outro genitor deve, normalmente, exercer o direito de visitas, dentre outros.

            Para o genitor alienador as regras foram feitas para os outros, não tem o costume de obedecer nem às sentenças dos Tribunais. Não é capaz de reconhecer que os filhos são seres individualizados e não enxerga, senão, a sua versão de todos os fatos. Frequentemente consegue convencer as pessoas que o cercam do seu desamparo e da sua hipócrita intenção em deixar que os filhos visitem o outro genitor e, via de regra, sua paranóia se estende aos que defendem o genitor alienado. Os comportamentos exemplificados, quando assiduamente verificados, representam um valioso conjunto de evidências na identificação do genitor alienador, caracterizando, assim, a presença da SAP.

As consequências à criança, segundo Trindade (2010), são depressão, incapacidade de adaptação a ambientes, tendência ao isolamento, desespero, comportamento hostil, falta de organização, tendência ao uso de drogas e álcool, chegando até a pensar em suicídio. Toda situação é criada pela construção de baixa estima, promovida pela falta de estrutura familiar.

Quando a Alienação não é abortada ainda na infância ou adolescência dos indivíduo, estes sobrevivem aos malefícios e conseguem, carregando as sequelas, chegar à fase adulta e descobrem que viveram enganados por um dos pais; sentindo-se cúmplices, voltam-s contra o enganador e se afastam, sofrendo novamente, agora pela culpa e orfandade, enquanto tentam recomeçar a sua relação com o ouro genitor, interrompida após tanto tempo.


 LEI Nº 12.318/10  -   ALIENAÇÃO PARENTAL

O tema em comento já vinha sendo avaliado e discutido na doutrina e na jurisprudência pátrias, carecendo, no entanto, de uma legislação pertinente. A Lei nº 12.318, que entrou em vigor em  27 de agosto de 2010, em seu parágrafo 2º, caput, cuida em definir a Alienação Parental, ipsis litteris:


Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 



As disposições contidas na nova lei, em verdade, é remédio novo para antiga doença, mas que chega para amenizar, entre outros, o dilema vivido pelo magistrado, posto que:

[...] o juiz não tem como identificar a existência ou não dos episódios denunciados para reconhecer se está diante da síndrome da alienação parental e que a denúncia do abuso foi levada a efeito por mero espírito de vingança. Com o intuito de proteger a criança muitas vezes reverte a guarda ou suspende as visitas, enquanto são realizados estudos sociais e psicológicos. Como esses procedimentos são demorados, durante todo este período cessa a convivência entre ambos. O mais doloroso é que o resultado da série de avaliações, testes e entrevistas que se sucedem, às vezes durante anos, acaba não sendo conclusivo. Mais uma vez depara-se o juiz com novo desafio: manter ou não as visitas, autorizar somente visitas acompanhadas ou extinguir o poder familiar. Enfim, deve manter o vínculo de filiação ou condenar o filho à condição de órfão de pai vivo? (DIAS, 2010, p.2 ).

A Lei 12.318/10 elenca, de modo exemplificativo, diversas formas de ocorrência da alienação parental, como: promover campanha de desqualificação; dificultar o exercício da autoridade parental; omitir informações pessoais relevantes; apresentar falsa denúncia para obstaculizar a convivência; mudar o domicílio para local distante, sem justificativa e, dispõe em seu artigo 2º que:


[...] considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

O texto legal abordou os aspectos mais significativos da SAP, principalmente no tocante à criança e ao adolescente, visto serem as vítimas em potencial, posto que afeta diretamente a formação psicológica deles, ferindo o direito fundamental de convivência familiar saudável, conforme se pode verificar no artigo 3º da lei em apreço, in verbis:


A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (grifamos) 


O legislador preocupou-se em elencar os avós como passíveis de incorrerem na prática da alienação parental, o que, conforme apontam os diversos processos em nossos Tribunais, é tema recorrente. Por outro lado, em seu artigo 2º, VII, expressa que dificultar a convivência com os avós é, também, forma de alienação parental, mas  deixou de prever a condição de alienados para eles, uma vez que tanto a doutrina como a jurisprudência enfatizam a necessidade dos laços afetivos com os avós, concedendo-lhes o direito de visita e, não raro, a própria guarda e tendo, ainda, o ônus das obrigações alimentares.

            Embora não cuide diretamente de proteger o direito dos avós contra a alienação parental realizada por quem detém a guarda dos netos, a nova Lei trata de uma adequação normativa ao contexto social, posto que as regras nela contidas já se encontram absorvidas pela doutrina e pela jurisprudência,

            Por outro lado, conforme ressalta Veloso (2010, p.1), esperava-se, na nova lei, “[...] mais medidas de prevenção e de tratamento dos entes envolvidos nesta síndrome, devendo ter mais instrumentos para prever e tratar comportamentos [...]” não se restringindo à repressão dos atos consumados ou em andamento e, almejando com isto o desestímulo às práticas alienadoras.


SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL NO PODER JUDICIÁRIO

Relato de Casos

As histórias acerca do fenômeno vêm sendo contadas no ambiente da Internet, através de blogs, sites de ajuda, artigos, jurisprudências e, também, livros, palestras, assim como  aulas ministradas nos meios acadêmicos.

Caso Lucila[1]

Lucila tinha pouco mais de quatro anos quando sua mãe ingressou com uma ação de suspensão de visita do pai à filha, cujo processo continha atestados em que médicos afirmavam que, no dia seguinte ao retorno da casa paterna, a menina estava com os genitais irritados, indicando a possibilidade de abuso sexual. A mãe, autora da ação, não acusava o pai de abuso, mas à companheira deste, que teria raspado a pomada de assadura com uma colher, ato este praticado de forma e com intenções libidinosas.

A mãe, além de falar com rancor da atual companheira do pai, afirmava sua falta de confiança, pedindo ao pai para que evitasse que a companheira atendesse a menina. O pai estava mobilizado, mas se mostrou disponível na avaliação, referindo confiança total na companheira, e relatando que delegava os cuidados de higiene da filha para esta, por entender que uma mulher cuidaria melhor de uma menina. A companheira do pai relatou que no período do suposto abuso Lucila já havia chegado assada, e ela apenas seguira o tratamento indicado pela mãe.

Lucila foi entrevistada a sós, numa sala com brinquedos. Comunicando-se bem e  aparentando tranqüilidade,  fez referências agradáveis sobre o pai, a companheira deste, e às atividades que faziam juntos, dizendo depois que não podia ir mais à casa do pai, seguindo, então, um relato idêntico ao da mãe acerca da colher, respondendo, ao ser perguntada  sobre o tamanho da colher,  que não sabia  por não tê-la visto, afirmando que foi a mãe quem contou o que aconteceu sobre tal fato. Encerrando a conversa, alegou já ter dito tudo o que a mãe combinou com ela sobre o que deveria ser dito.

Após o término da entrevista, a Assistente Social Denise Duarte respondeu: "Finalizamos o laudo sem ter a certeza quanto à veracidade ou não da alegação da mãe”.
Denise, então, conclui o caso: "Alguns meses depois, a profissional com quem Lucila foi fazer atendimento, nos telefonou e contou que a alegação era falsa, e, além da filha, a mãe também iniciou atendimento, estando restabelecido contato entre pai e filha”, restando claro que foi um caso  de Síndrome de Alienação Parental, envolvendo falsas memórias, e que se não fosse esclarecido em tempo o pai poderia ter sido completamente afastado.


Caso Victória[2]

Trata-se de recurso de apelação interposto por ATAÍDES S. e MARIA O. P. S., irresignados com sentença que, julgando conjuntamente dois processos em que contendiam com EDER A. L. pela guarda da infante VICTÓRIA C. (10 anos de idade), deferiu a guarda da menina ao pai.

Os avós sustentam que cuidaram da neta antes mesmo do seu nascimento, acompanharam a gestação, os primeiros passos e as primeiras palavras, sentindo-se aniquilados com a sentença que lhes negou a guarda da menina; afirmam, ainda, que jamais negaram ao pai o direito de ver a filha, mesmo que a tenha renegado enquanto estava na barriga da mãe e descurado nos seus cuidados, quando com ela esteve grávida, da mesma forma que fez com o irmão da menina, que veio a falecer, conforme provado na instrução. Dizem que se o pai realmente amasse a filha, não teria incomodado tanto a mãe, a ponto de lhe provocar um infarto, temendo que ele lhe tomasse a guarda.

 Afirmam, também, que a vontade da criança é permanecer com os avós e que não serão a psicóloga ou a assistente social, pessoas que mal a conhecem, que vão saber o que é melhor para menina. Acusam o pai de demonstrar obsessão pela guarda da menina, movido por interesses materiais e que Victória prefere ficar com os avós, por estes lhes dar maior segurança e responsabilizam o pai por ter provocado a animosidade entre as partes.

A sentença acabou por valorizar somente o depoimento do conselheiro tutelar, justamente favorecendo o pai e o parecer do MP culpa somente os apelantes (avós) pelas pressões psicológicas que a menina vinha sofrendo, prevendo que ela poderá ter problemas na adolescência.

 Os avós argúem em sede de recurso que o pai, na verdade, será o único responsável pelos problemas que Victória poderá ter, visto ser  desleixado, interesseiro e que quer demonstrar que tem força bastante para ganhar sua guarda “no braço”. Argumentam, ainda, que se é tão bom para a menina ficar com o pai, porque estabelecer um período de adaptação (?).

Em seu relatório, o desembargador Luiz Felipe Brasil Santos nega provimento ao apelo, mantendo a sentença nos seus exatos termos e pelos seus próprios fundamentos, invocando-os, também, como razões de decidir que a guarda de Victória ficaria com o pai, pessoa que lutou para ter consigo a filha e que tem todas as condições para educá-la e criá-la num ambiente afetivo e estruturado, que equilibre amor e limites, necessários para prepará-la e fortalecê-la para enfrentar a vida.

Embora compreensível o sofrimento e a irresignação dos apelantes por perderem a guarda da neta, as razões de apelação bem expressam o turbilhão de sentimentos vivenciados pela família materna da menina.

Numa mistura de mágoa e rancor, os apelantes assumem a posição de vítimas, procuram responsabilizar o apelado pelas mortes do neto e da filha, sem se dar conta de que, com isso, permitem que esses sentimentos negativos embotem o amor que sentem pela neta, transferindo para ela o peso de ser o único consolo dos avós velhinhos, a única coisa que restou da filha.

Victória é apenas uma criança, que não pode carregar a responsabilidade de ser, para os avós, a única lembrança da mãe e, com isso, ser levada a rejeitar o pai e vivenciar um conflito de lealdade extremamente prejudicial à sua formação e ao seu desenvolvimento emocional.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Resta manifesto os malefícios promovidos pela Síndrome da Alienação Parental na família como um todo e, em especial, nas crianças e adolescentes, que são as maiores vítimas desses abusos, cujos indícios mais comuns são sentimentos de raiva em relação ao outro genitor, críticas constantes, distanciamento físico e emocional. Outro sinal importante, por parte do genitor que detém a guarda, são as manipulações que impedem ou dificultam o outro genitor de visitar ou manter contato com o filho.

A Síndrome da Alienação Parental, tendo sua pira na vingança, causa dores, sofrimentos e traumas e outras sérias conseqüências a todos os envolvidos, mas especialmente ao cônjuge alienado e à criança que, por estar em processo de desenvolvimento, não tem meios psicológicos para compreender e se defender dos abusos sofridos pelo alienador.

Mas, na verdade, uma grande parcela da responsabilidade, nos casos de Alienação Parental, recai sobre o Poder Judiciário, uma vez que as terríveis e danosas disputas findam, quase sempre, nas mãos dos magistrados, para uma decisão.

A Lei 12.318, indubitavelmente, instrumentaliza o Poder Judiciário para responsabilização do genitor que age alienando o outro, muito embora não cuide, expressamente, da prevenção e tratamento dos envolvidos, haja vista não ser a Alienação Parental um problema apenas dos genitores separados em litígio, mas acima de tudo uma patologia social, que deixa rastro e atinge as gerações futuras.

Portanto, urge uma conscientização da sociedade acerca da responsabilidade de pais, mães, avós e de quaisquer outros que exerçam a guarda de criança ou adolescente, e o entendimento que a estrutura familiar pode ser mantida de forma saudável, mesmo que os casais se separem, conquanto cada qual exerça seu papel de forma adequada e tenha a garantia do acesso a apoio especializado nos casos de inadequação às suas funções de guardiões.


REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Acesso em: 17 nov 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>.
BRASIL, Lei 12.318, de 26 de Agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Acesso em: 17 nov 2010. Disponível em : <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>.
GARDNER, Richard A.. O DSM-IV tem equivalente para o diagnóstico de síndrome de alienação parental (SAP)?Tradutor para o português Rita Rafaeli. Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina e Cirurgia da Universidade de Columbia, New York, New York, EUA, 2002. Acesso em: 17 nov 2010. Disponível em: .
DIAS, Maria Berenice. Síndrome da alienação parental, o que é isso? Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1119, 25 jul. 2006.

_________, Alienação parental: uma nova lei para um velho problema! Acesso em: 17 nov 2010. Disponível em:

TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2004.

Ibidem,  2010.

_________,. Incesto e alienação parental: realidades que a justiça insiste em não ver.  São Paulo, Revista dos Tribunais, 2007, p. 114.

PODEVYN, François. Síndrome da alienação parental. Tradutor para o Espanhol Paul Wilekens. Acesso em: 19 nov 2010. Disponível em: < http://users.skynet.be/paulwil/pas.htm>.

KANDEL, Eric R. Em busca da memória: o nascimento de uma nova ciência da mente / Eic R. Kandel ; tradução Rejane Rubino, São Paulo: Companhia
das Letras, 2009, p.27.

VELOSO, Genival de França.  Lei da alienação parental deveria prever tratamento da síndrome. Acesso em: 23 nov 2010. Disponível em: <http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/>





[1] VELLY, Ana Maria Frota. Alienação Parental: Uma Visão Jurídica e Psicológica. Acesso em : 18 nov 2010. Disponível em:   <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=666>.
[2] EMENTA:  APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. 1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da síndrome de alienação parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas ao avós, a ser postulada em processo próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70017390972), Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/06/2007. Publicação: Diário da Justiça do dia 19/06/2007.



Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
MUNIZ, Rosaury Francisca Valente Sampaio.  Alienação Parental: uma forma de exclusão do direito à família. Anais da XIV SEMOC - Semana de Mobilização Científica: O conhecimento no limiar do século XXI: 17 a 21 de outubro de 2011, Salvador. – Salvador: UCSAL- Universidade Católica do Salvador, 2011.2, CD-ROM-ISSN 2177-272X.



domingo, 11 de setembro de 2011

A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E DA POSSE À LUZ DO MEIO AMBIENTE

RESUMO: Este texto trata sobre o exercício da propriedade e da posse, que segundo a legislação vigente deve atender às finalidades econômicas e financeiras do pais e garantir o bem-estar social da coletividade. A previsão legal desses pressupostos não basta, por si só, para impedir o esvaziamento da quantidade e qualidade dos recursos naturais contidos no meio ambiente. Cabe ao homem através da educação, tecer uma mudança de atitude, que se materialize pelo resgate do senso ancestral de proteção do meio ambiente. O texto fora construído através de pesquisa documental, compondo uma revisão do referencial teórico, mediante análise da legislação e doutrina específicas, compondo uma apreciação crítica-opinativa do assunto. Por fim, acredita-se que tal critica possa, de alguma forma, contribuir para uma reflexão acerca das condições em que o papel social da propriedade e da posse é exercido e, a busca de soluções, que impeçam a degradação do meio ambiente, como herança maior às gerações futuras, sem ferir aos reclamos da justiça social.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A PROPRIEDADE EM BREVE HISTÓRICO

O desenho da Propriedade que é um reflexo do direito à liberdade e representa um dos direitos fundamentais da pessoa humana vem, historicamente, se modificando ao longo do tempo, desde o entendimento jurídico do Direito Romano, do Direito Medieval e do Direito Moderno até merecer a atenção, ainda que um pouco conservadora, no Código Civil francês de 1804 e na Declaração Universal de Direitos do Homem e do Cidadão, sendo caracterizado, na contemporaneidade como um novo sistema, voltado para a realização da Justiça Social.

É cediço o entendimento discordante entre grandes pensadores como Locke, que afirma ser a propriedade um direito natural, independente do surgimento do Estado, ao qual me filio e, entre outros, como Hobbes e Rousseau que defendem o nascimento do direito de propriedade como conseqüência da constituição do estado civil.

Segundo Cretella Junior (1973, p.153), o direito de propriedade [...] sofreu inúmeras transformações no longo período em que vigorou o Direito Romano, a partir da antiga concepção, poder ilimitado e soberano, profundamente individualista, até a concepção justianéia, arejada por um novo e altruísta sentido social [...].

O feudalismo, sucede o período romano, passando a conceber a propriedade como uma forma não exclusiva e pela sobreposição de direitos: de um lado, o senhor e de outro, o rendeiro. O feudalismo não alterou apenas o uso da terra, mas permeou toda a organização social e política da época, conforme observa Guedes (2003, p.345) quando afirma que o direito de propriedade imobiliário evoluiu para uma complexa pirâmide de direitos, superpondo-se os poderes do senhor feudal aos direitos dos servos.

O direito moderno tem seu marco histórico ideológico na Revolução Francesa de 1789, que traz modificações no contexto social, político e jurídico, marcado pela concepção individualista, produto da exaltação das liberdades individuais e da mínimam intervenção do Estado na organização social.

Com a extinção do regime feudal dois traços do regime de propriedade pós-Revolução são marcantes: a extinção do regime feudal e dos encargos sobre a terra e a exaltação da concepção individualista da propriedade.

Segundo Cavedan (2003, p.26) na contemporaneidade o Estado se volta para a proteção dos direitos sociais como resultado da influência da constituição de Weimar, impregnando grande parte das constituições dos Estados contemporâneos, que incorporaram a noção de Propriedade vinculada a uma Função social. Dentre os países que explicitaram em seus textos constitucionais a Função Social da Propriedade cita-se, a título de exemplo, Brasil, Itália, Espanha, Bolívia, Venezuela, Honduras, Paraguai, El Salvador e, Panamá


A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE E O MEIO AMBIENTE


Muito antes de a atual Carta Magna brasileira vir à luz, a previsão da função social da propriedade já estava contemplada na Constituição de 1967 (art. 157, III, e posteriormente art. 160, III, na Emenda de 1969. O Estatuto da Terra (Lei nº 4.504/64), editado há mais de trinta anos, esposava em seu parágrafo primeiro que: “a propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente, assegura a conservação dos recursos naturais.”

O Código Florestal (Lei nº 4.771/65), também, contém a previsão de interferência no direito de propriedade por motivos ambientais, mediante a instituição de espaços a serem protegidos em maior ou menor grau, tendo por fim a preservação do meio ambiente.

A posse, entretanto, sendo compreendida como a exteriorização da propriedade, o que, também comprova a sua função social, não se confunde com a propriedade. Pode-se ter a posse sem, necessariamente ser proprietário do bem, entendendo que ser proprietário é ter o domínio do bem. A posse significa apenas ter a disposição da coisa, utilizando-se dela e tirando-lhe os frutos, com fins socioeconômicos.

Por outro lado, o Código Civil de 1916, nenhuma previsão faz à preservação do meio ambiente e à promoção do bem-estar-social no que concerne ao exercício da posse. Nesse ponto, o atual Código Civil operou um grande avanço quando trata da posse em seus art.s 1.196 e 1.228, nos remetendo a concluir que todo proprietário é possuidor, mas nem todo possuidor é proprietário.

Assim, também, de acordo com o art. 1.196 do Código Civil vigente, a função social da posse pode ser entendida como sendo o domínio fático que a pessoa exerce sobre a coisa, relacionada com os atributos da propriedade, quais sejam: gozar, reaver, usar e dispor.

Dessa forma, respaldada pela legislação, temos que a posse tem que atender à mesma função social da propriedade, associada, ainda, ao trabalho produtivo ou de subsistência, devendo o posseiro salvaguardar o meio ambiente, tanto quanto aquele que detém o título de propriedade.

Diante o exposto notamos que os instrumentos para a efetiva proteção ambiental vinculada à noção de direito de propriedade que cumpre uma função social, ainda que no silencio do Código Civil de 1916, já existiam antes da Constituição de 1988.

Na Carta Magna, encontramos o princípio da função social da propriedade em diversas passagens, com o objetivo de garantir a sua efetiva materialização como nos arts. 5, XXIII, III, 186 e 182, § 2º e 170.

No artigo 170, a função social da propriedade privada vem fundamentar a ordem econômica na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, buscando assegurar a todos uma existência digna, elevando a terra como fonte de riquezas, por excelência, para a produção de bens, além de se constituir no palco principal das relações entre os homens e o meio ambiente. Instando-se, à observação do bem-estar dos proprietários, dos trabalhadores e a proteção ao meio ambiente.

É cediço que as necessidades dos homens são infinitas, enquanto que a capacidade da natureza em satisfazê-las é limitada, exigindo, na sua exploração, o bom senso, sem, contudo, lhe conferir o escopo de santuário.

Outrossim, quanto mais caminhou a civilização na sua evolução, mais o homem se afastou do zelo ao meio ambiente, haja vista, que até pouco tempo atrás havia o encorajamento, pelas próprias legislações, ao desenvolvimento a qualquer custo.

Podemos verificar que o homem não se insurge, lançando mão da via jurisdicional contra a violação da propriedade comum a todos, a natureza. Não vemos, por exemplo, o homem agir de forma violenta contra as chuvas ácidas que cobrem as florestas, que é um bem de todos, mas, age exacerbadamente, contra o dono do cachorro que suje o caro gramado que cobre o seu jardim.

O ponto nevrálgico da questão está exatamente na propriedade privada. Se por ventura o dono do cachorro possuísse uma fábrica que despejasse seus resíduos tóxicos em algum rio, certamente, não haveria reação.

Entende a população que o bem público, aquele que a todos pertence, não é de ninguém, podendo por todos ser usado, de todas as formas, incluindo a degradação, sem compreender que, aquilo que a ninguém pertence, em verdade, pertence muito mais a todos, que aquele que tem a sua propriedade particularizada.

A história nos mostra que, de certa forma, o homem retrocedeu, com seu individualismo exagerado, fazendo com que prosperasse o conflito entre os interesses privado e público.

Num tempo não muito remoto, povos ancestrais, como os indígenas, considerados pela maioria, como primitivos, exerceram a função social da propriedade, com superior compreensão. O nomadismo que os caracterizava tinha como propósito, não o desprezo pela propriedade, mas a preservação do solo e dos mananciais.

Tais povos só mantinham como privados os bens materiais, estritamente necessários a sua sobrevivência e de sua tribo. O bem imóvel, a oca, não era individualizado e o meio ambiente pertencia a todos, havendo a preocupação com as gerações futuras, aí, sim, um verdadeiro exercício da função social da propriedade, justificando com isso o seu modelo social.

Com o passar dos tempos o homem fora lapidando a sua individualidade e se afastando da ênfase coletiva, tendo hoje como estandarte supremo a propriedade privada.

Deve-se ressaltar que o papel da função social da propriedade privada é fazer submeter o interesse individual ao interesse coletivo (bem-estar geral). O verdadeiro significado da função social da propriedade não é de diminuição do direito de propriedade, mas de poder-dever do proprietário, devendo este dar à propriedade destino determinado.

Com efeito, não obstante todo regramento, com pesadas sanções contra o descumprimento do princípio da função social da propriedade, existente hoje em nossa legislação, no que tange à questão do direito ambiental, emerge o art. 225, da Constituição, com seus parágrafos e incisos, definindo os princípios de política pública no trato do manejo ambiental e a recuperação de parte do nosso laudável sentido ancestral de preocupação com as gerações futuras.

Assim, ao longo do nosso caminhar, passamos por um período, de extrema lucidez, quanto à função social da propriedade, pelos nossos ancestrais, até o exercício de forma absoluta do direito de propriedade, que teve origens no Estado Liberal clássico e a consagração legislativa no Código Civil francês de 1804 – até uma caracterização mais restrita desse direito, em que apenas as propriedades individuais sobre os bens de consumo eram permitidas, originadas nas constituições socialistas.

Entende-se, que o caráter absoluto da propriedade não mais pode ser considerado, frente às novas concepções do Direito Civil, quando em seu art. 1228 § 1º leciona que:


o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.


Entendo que as modernas técnicas e equipamentos hoje disponíveis permitem que o uso da propriedade possa ser exercido sem que contribua para a degradação do meio ambiente além dos limites necessários ao funcionamento de determinada atividade ou empreendimento, promovendo a integração da função social e a sustentabilidade no desenvolvimento econômico e financeiro do pais.

Ao observarmos as disposições do texto da nossa lei maior, podemos constatar que o valor da propriedade como bem jurídico estará menosprezado, conquanto o conceito de função social for alargado, como, de fato, o vem sendo.

Dessa maneira, ainda que a manutenção da ordem social enseje a segurança jurídica via o regramento tutelar e punitivo com relação a propriedade e o exercício da sua função social, tal previsão legal não basta, por si só, para impedir o esvaziamento da quantidade e qualidade dos recursos naturais que compõem a herança dos nossos sucessores.


O homem da contemporaneidade tem de provocar, através da educação, uma grande mudança de atitude, que se materialize pelo resgate do senso ancestral de proteção do meio ambiente que, em última análise, é o depositário da vida no planeta, assim como, direcionar esforços para a criação de condições e busca de soluções, para que a propriedade, mesmo privada, cumpra a sua função social, sendo economicamente útil e produtiva, atendendo ao desenvolvimento econômico e os reclamos de justiça social, impedindo que suas atitudes vão de encontro ao patrimônio comum e maior da humanidade, posto que, o que é de todos a todos pertence e a todos cabe a sua perpetuação, sob pena de condenar à extinção a espécie humana.

REFERÊNCIAS

 
AFONSO DA SILVA, José. Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros Editores, 1997.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil , de 5 de outubro de 1988 .Disponível em: . Acesso em 30 mai. 2010.

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_________. Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916. Disponível em: . Acesso em 30 mai. 2010.
_________. Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964. Disponível em: . Acesso em 30 mai. 2010.
_________. Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965. Disponível em: . Acesso em 30 mai. 2010.
_________. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.. Disponível em: . Acesso em 30 mai. 2010.

CANOTILHO, J.J.Gomes, Direito Constitucional, 5ª ed., Coimbra, Almedina
CAVEDON, Fernanda de Salles. Função social e ambiental da propriedade. Momento Atual, 2003.

CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito Romano. 5 ed, Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 153.

DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro, 7. ed. São Paulo, Saraiva, 1991.

GUEDES, Jefferson Carús. Função social das propriedades: da funcionalidade primitiva ao conceito atual de função social, in Aspectos controvertidos do Novo Código Civil, RT, 2003, p. 345.

 LOCKE, John. Carta acerca da tolerância: Segundo Tratado sobre Governo; Ensaio Acerca do Entendimento Humano. Disponível em: < http://www.cefetsp.br/edu/eso/filosofia/cartatolerancia.html>. Acesso em 17/jun/2010.

McFETRIDGE, Donald G. Economia e meio ambiente: A reconciliação, Porto Alegre, ed. Ortiz/IEE, 1992.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, São Paulo, Forense, 1978.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. Direito das Coisas, v.6. ed., revista e aumentada, São Paulo, Saraiva, 1976.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social: Ensaio Sobre a Origem das Línguas; Discurso Sobre as Ciências e as Artes; Discurso Sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo: Abril Cultural, 1973.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

DIREITO ALTERNATIVO – UMA PERSPECTIVA PARA A IGUALDADE DE DIREITOS?


 

Ana Claudia Pereira de Andrade

Rosaury Francisca Valente Sampaio Muniz


RESUMO: Diante da crise do Direito Dogmático vivido na contemporaneidade em que o Estado tem deixado lacunas na solução dos conflitos, surge o Direito Alternativo, como tentativa de suprir esse vácuo. O Direito Alternativo aqui é abordado como uma busca, dentro do próprio direito positivo, para a concretização de um sistema legal igualitário que contemplem todos os interesses da sociedade. O trabalho está estruturado em cinco momentos e se realizou através de pesquisa documental, compondo uma revisão do referencial teórico, mediante análise dos documentos oficiais, nos sites eletrônicos, doutrina e periódicos especializados e fundamentalmente, nos ensinamentos expressos no livro “O que é Direito Alternativo?”, de autoria de Lédio Rosa, aliados a correspondências mantidas com esse eminente jurista, por meio eletrônico, especificamente, para o estudo em tela. Por fim, acredita-se que a análise crítica e reflexiva acerca do Direito Alternativo possa suscitar uma via solução para os conflitos e a igualdade de direitos, com base no pensamento do Juiz Lédio Rosa.

PALAVRAS-CHAVE: Direito alternativo; Direito dogmático; Positivismo jurídico

 
INTRODUÇÃO

A história do homem está assentada no contar histórias. Ele conta histórias em todas as suas relações. Ele se faz no contar histórias. Assim, temos que entender os fatos da trajetória humana, um ir e vir, entre o passado, o presente e o preparo do futuro. Daí entendermos a história como uma seqüência de acontecimentos não lineares, mas entrelaçados com todas as áreas do conhecimento formal e não formal.

Entretanto, segundo Lédio (2008), “a história do Direito não se confunde com a história da humanidade. Isto é um equívoco resultado da ideologia jusnaturalista, exatamente para evitar um fato histórico importante, já houve sociedade sem direito [...] direito nada mais é do que a regulamentação do poder [...]

Data vênia, ao douto mestre, quando defendemos não existir sociedade humana sem direito, formando o direito uma parte essencial da cultura. Desde que existe cultura, existe reflexão sobre a cultura e sobre a sua relação com o ambiente físico e biológico. O direito nasceu no momento em que o homem se juntou com outros para se protegerem dos perigos do mundo pré-histórico. Assim, fez-se necessário a divisão do que é o direito e dever de cada um para um melhor convívio social, ratificando, com isso, o entrelaçamento entre a história da humanidade e a do Direito.

Para tanto, nos fundamentamos em Wolkmer (2001, p. 21), quando este afirma que,

o direito arcaico pode ser interpretado a partir da compreensão do tipo de sociedade que o gerou. Se a sociedade da pré-história fundamenta-se no princípio do parentesco, nada mais considerar que a base geradora do jurídico encontra-se, primeiramente, nos laços de consangüinidade, nas práticas do convívio familiar de um mesmo grupo social, unido por crenças e tradições.

Dessa maneira, entendemos que não está o Direito dissociado das histórias individuas e coletivas, que se constrói e reconstrói, incessantemente ao longo do espaço e tempo, alternada entre dominados e dominadores. Outrossim, o Direito não se esgota na Lei, mas como sistema de princípios que define e orienta a vida jurídica, nem sempre concretiza esses mesmos princípios, não raro, a Lei, busca impedir, ou retardar a eficácia dos princípios aos quais está assentada.

Diante da crise do Direito Dogmático vivido na contemporaneidade em que o Estado tem deixado lacunas na solução dos conflitos, surge o Direito Alternativo, como tentativa de suprir esse vácuo.

O presente texto apresenta uma fundamentação teórica estruturada em cinco momentos: o primeiro, cuida de apresentar as origens do Direito Alternativo e como se organizou o movimento no Brasil. No segundo, apresenta-se os conteúdos de natureza social como opção ao direito dominante, oficial, dogmático. O trato hermenêutico que advém do próprio ordenamento positivo e que encontra azo no próprio fim a que se destina o direito, traduz a visão do Direito sob a ótica do Movimento Alternativo, abordado no terceiro momento. No quarto momento apresentamos uma visão contrária às críticas, partindo da importância na regulação social das camadas marginalizadas pelo direito estatal e por fim, no quinto momento, concluímos ser o Direito Alternativo busca dentro do próprio Direito positivo a solução para o problema do Direito.

 
O DIREITO ALTERNATIVO – COMO SURGIU

O Direito Alternativo remonta suas origens à crise do fetichismo legal. Segundo Lédio “Os alternativos não são, metodologicamente, contra a existência de uma estrutura legal. A questão é o conteúdo desta estrutura”.

Para entendermos o histórico e o desenvolvimento dessa alternatividade ao Direito, temos que vislumbrar dois ângulos diversos: a Europa e a América Latina.

Na Europa, onde teve início o Movimento do Direito Alternativo, por volta dos anos 60, há aspectos bastante peculiares. A alternatividade não permitia que se extrapolasse a esfera estatal de solução de conflitos, não havendo um Direito Alternativo propriamente dito, mas sim um uso alternativo do Direito.

A realidade latino-americana, especialmente a brasileira, é bem diferente da européia. Há mesmo Direito Alternativo, como uma tendência de desburocratizar o sistema estatal. É o Direito verificado na experiência social.

O primeiro passo para o início do Direito Alternativo no Brasil foi a criação de um grupo de estudos, organizado por magistrados gaúchos. Paralelamente, alguns juristas já falavam da possibilidade de criação de um Direito Alternativo, dentre os quais estavam Edmundo Lima de Arruda Júnior e Clèmerson Merlin Clève.

Segundo o Juiz de Direito da Comarca de Tubarão, Dr. Lédio Rosa de Andrade, o episódio responsável pelo surgimento do movimento do Direito Alternativo ocorreu no dia 25 de outubro de 1990, quando um importante veículo da imprensa escrita, o Jornal da Tarde, de São Paulo, publicou um artigo redigido pelo jornalista Luiz Makouf, com a manchete “JUÍZES GAÚCHOS COLOCAM DIREITO ACIMA DA LEI”. A reportagem buscava desmoralizar o grupo de estudos e, em especial, o magistrado Amílton Bueno de Carvalho.

Ao contrário do desejado, acabou dando início ao movimento, sendo o I Encontro Internacional de Direito Alternativo, realizado na cidade de Florianópolis, Estado de Santa Catarina, nos dias 04 a 07 de setembro de 1991 e a publicação do livro Lições de Direito Alternativo 1, da editora Acadêmica, os dois marcos iniciais.

Embora o movimento só tenha sido organizado e sistematizado na década de 90, seu caminhar em terras brasileiras data de mais de 30 anos, originando-se no período da ditadura militar brasileira. Então, os alternativos afirmam que o direito é uma ciência contaminada pela ideologia (como todas), contendo em seu âmago inúmeros espaços de não Direito e ser a interpretação jurídica uma escolha de valores e o ato de julgar, uma atitude política.

Lédio critica os juristas alternativos que entendem que a Justiça deve prevalecer sobre o Direito, julgando tal postura delicada, vez que não se sabe a que justiça se referem, o que traz sérias dificuldades do ponto de vista teórico. E diz que “a maioria dos alternativos é contra essa idéia de a Justiça prevalecer sobre o Direito, pois é um discurso jusnaturalista. Afinal, o que é Justiça? Ademais, como separar Justiça de Direito?”

Os juízes alternativos, rompendo com a ideologia jurídica dominante, o positivismo, decidiram não mais condenar, criminalmente, apenas os pobres, tampouco ficar resolvendo questões cíveis entre membros da classe média, que não tinham relevância social alguma. Foram, mais além, passando a decidir os processos sob suas jurisdições com base na Constituição, cuja hermenêutica estava voltada para atender às finalidades sociais. Não havia, nessa forma de interpretação da lei máxima, nem uma estruturação da hermenêutica, nem uma nova teoria jurídica.

Esse novo julgar gerou fortes críticas aos juristas alternativos, tanto dos juristas tradicionais, dos membros do Poder Judiciário, bem como do Supremo Tribunal Federal.

 
CONTEÚDOS DO DIREITO ALTERNATIVO

“Alter” significa outro, diferente. Entretanto a idéia de que Direito Alternativo é o uso de normas diferentes das instituídas pelo Estado, pressupondo opção ao direito dominante, oficial, dogmático. Uma norma desviante em face à legalidade estatal, não coincidindo, de todo, com a legalidade do Estado, posto que, de outro modo não lhe seria alternativa. É o pluralismo jurídico propriamente dito, direito paralelo, insurgente, antidogmático, inoficial, não é acatada pelo professor Lédio Rosa, que entende que,

 
o Direito Alternativo trabalha exatamente com as normas instituídas pelo Estado. Há uma corrente entre os alternativos, principalmente a defendida por Wolkmer, que quer um direito paralelo, vindo da rua. Mas isto não se justifica mais (ROSA, 2001, p.11)

Por que os alternativos entendem que os operadores do Direito, em sua maioria, mantêm um compromisso com as classes dominantes e trabalham para manter a sociedade como se encontra, e não pretendem modificar a sua estrutura, posto que os privilégios que os favorecem já se encontram institucionalizados.

Por essa via, surge o conceito de Jurista Orgânico, contrariamente aos juristas tradicionais, como sendo aquele cujo compromisso é a mudança social, labora para alterar as estruturas existentes com o objetivo de combater a miséria, promover a liberdade e a igualdade material, ensejando o estabelecimento de uma democracia real. Esses juristas orgânicos em suas praticas forenses buscam criticar a ordem estabelecida dentro da hegemonia, entendendo que ao revelar a verdadeira intenção do discurso jurídico oficial podem evitar a adesão acrítica e cega, permitindo que, com a quebra dos mitos e dogmas sustentados pelos tradicionalistas se construa um ambiente para troca.

Por outro lado, a via alternativa não pretende transformar a sociedade através apenas do Direito e suas instituições jurídicas. Mas, pelos movimentos sociais, quais sejam: partidos políticos, sindicatos, movimentos organizados, etc, que tenham um compromisso com mudanças em todos os segmentos sociais, estendendo esse papel orgânico na pratica da alternatividade jurídica.

Dentro dessa primeira visão do Direito Alternativo, Amilton Bueno de Carvalho diz que o Direito Alternativo é “a atuação jurídica comprometida com a busca de vida com dignidade para todos, ambicionando emancipação popular com abertura de espaços democráticos, tornando-se instrumento de defesa / libertação contra a dominação imposta”.

 
O DIREITO SOB A VISÃO DO MOVIMENTO ALTERNATIVO

A técnica hermenêutica alternativa prescreve uma aproximação maior entre a lei e a justiça no caso concreto, que intrinsecamente ligadas na origem do sistema, tem em muito se afastado ultimamente, no evolver da crise que enfrenta o direito, nesse momento de transição após a modernidade. Uma aplicação que se percebe, também, na distribuição das penas, que cada vez mais tem seguido a lógica proposta por Beccaria, que já no século XVIII abominava os apenamentos que não reeducavam o sujeito para a sociedade, somente o punindo e aumentando seu ódio social.

O direito alternativo, segundo Lédio Rosa, ao contrário do que muitos pensam, não é um anti-direito, a negação da ordem jurídica, outro direito. Ele parte da norma para recriá-la, revitalizando-a, dando-lhe calor, substância, substrato, vida.
As palavras acima corroboram o que estabelece a nossa LICC, que em seu artigo 5º prescreve: "Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum". Nosso próprio direito positivo dá abertura para que nele se identifique a finalidade de utilidade social, de necessária relação com seus fins de pacificação social e atendimento do bem comum. Nessa via  o Direito Alternativo nada tem de radical, de revolucionário. Na realidade, sua destinação é o rejuvenescimento, a revitalização do direito positivo, já envelhecido, engessado, por ter se atrasado em relação aos fatos, se distanciado da realidade (BOMFIM, 2003, p.38).

Assim sendo, entendem os alternativistas que, tomar o direito como letra fria, como mera forma sem alma, é desconsiderar sua finalidade social, é olvidar sua teleologia, qual seja, a instrumentalização da vida pela proteção dos direitos deferidos aos cidadãos e a todos aqueles que se encontrem em território nacional. Aplicar a norma jurídica nos termos do que postulam Lédio e Amilton ser o direito alternativo é dar trato hermenêutico que advém do próprio ordenamento positivo e que encontra azo no próprio fim a que se destina o direito.

Muito interessantes são as ponderações tecidas pelo Excelentíssimo juiz do Tribunal Federal da 1ª Região, Dr. Eustáquio Silveira, esclarecendo que:

 
não se permite que alguém, sem mandato popular, se arvore em legislador e pretenda aplicar o seu próprio e duvidoso direito, numa indiscutível ameaça à segurança jurídica. No dia em que cada juiz fizer a sua lei, a Justiça será para as pessoas uma verdadeira "loteria", em que quase sempre se perde e raramente se ganha.


Tal crítica faz sentido, a partir do entendimento de que a discricionariedade do juiz pode gerar aberrações jurídicas, voltando-se ao estado de coisas que se verificava no ancién regime, no modelo absolutista de Estado, que antecedeu ao nosso paradigma moderno. Mas note-se que ele tem razão de ser a partir do momento em que se entende o direito alternativo como solução praeter ou contra legem.

A crítica acima levantada pode levar a uma outra dela dependente: confere-se ao juiz e demais aplicadores do direito um poder excessivo e que nas mãos de pessoas erradas pode gerar injustiças e até corrupção. Ora, a evolução de nosso direito público, o avanço de seus tentáculos sobre o direito privado e, principalmente a mutação das normas processuais, que passam a conferir poderes maiores de condução e instrução processual ao juiz, já são uma regra em nossa sociedade.

Pernicioso seria e será se o julgador se imiscuir livremente na função de legislador no caso concreto, desconsiderando a lei posta, mesmo que esta não possua um vício de incongruência com a Constituição e postular a solução que entender melhor. Essa espécie de poder deve ser refreada por que representa a derrota de séculos de busca pela construção de um Estado de Direito.

Vê-se que as agressões contra o Direito Alternativo surgem pelo que o movimento não é. As ficções criadas almejam colocar a opinião pública em oposição às idéias alternativistas. O que se sabe é que nenhum autor alternativo toma ou coloca como base ou requisito a anomia, o voluntarismo e o combate à lei em si, mas sim que,

[...] compete ao juiz colaborar com o legislativo, lapidando, valorizando, melhorando a lei, sem esquecer as realidades sociais, econômicas e morais que informam o ordenamento jurídico. Não pode, porém, a pretexto de traduzir o ideal de justiça da maioria do povo, tomar um rumo quando o diploma legal, bem ou mal inspirado, indicar com clareza o caminho oposto. Citando o eminente jurista Ives Gandra ‘a injustiça da norma deve ser alterada por pressões junto ao Poder Legislativo, e nunca ao Poder Judiciário, o qual, no máximo, pode, nos limites da interpretação integrativa, dar sentido à regra injusta, reduzindo sua carga de iniqüidade, mas nunca revogá-la. (ROSA, 2001, p.25) (grifo nosso).

 
CRÍTICAS AO DIREITO ALTERNATIVO

O Direito Alternativo surge com um tom pejorativo, usa a crítica para quebrar o conservadorismo. É apenas um movimento, não é uma Escola, por que não usa um método ou posições doutrinárias. Em sua fase inicial, a aplicação do Direito Alternativo chegou a ser ridicularizada pelos tradicionais setores do Judiciário e os ativistas desse movimento foram tachados de subversivos pelos "donos do poder", aqueles que detêm os reais fatores de dominação.

Nesse período, o referido movimento significou uma prática inserta dentro do sistema jurídico então vigente a fim de obter que o mesmo favorecesse os interesses de um setor diferente daquele que o havia implantado, de modo que seria uma prática em busca de uma teoria, colocando a sentença na perspectiva da justiça, buscando-se na filosofia do direito uma teorização..

Ainda hoje, muitos não reconhecem a existência de um Direito Alternativo, dizendo que direito é apenas aquele emanado do Estado, ou reconhecido por este. Outros dizem que práticas alternativas são juridicamente irrelevantes, sendo apenas usos sociais sem força jurídica e há ainda, os que consideram as praticas alternativas como ilícitos usos sociais que devem ser combatidos pelo ordenamento jurídico.

Diferentemente, Boaventura de Sousa Santos toma uma posição mais enfática e identificada com o estudo em tela. Boaventura qualifica os fenômenos sociais, pesquisados por ele nos anos de 70, como exemplos reais de pluralismo alternativo, chegando à conclusão de que o direito inoficial das favelas existe, tendo até um espaço retórico mais amplo do que o permitido pelo direito estatal, onde este está presente.

A situação de pluralismo jurídico vigora sempre que no mesmo espaço geopolítico coexistem, oficialmente ou não, mais de uma ordem jurídico normativa, podendo tal pluralidade ter fundamentação econômica, rácica, profissional ou outra. Tem-se então o desenvolvimento de processos sociais de “ordenamento jurídico alternativo” como opção ao legalismo. Estes sistemas possuem características que o definem como direito: “semelhantes” ao ordenamento estatal, que nascem da insatisfação e ineficiência do direito estatal.

CONCLUSÃO

Não há dúvidas sobre a existência de normas jurídicas fora do ordenamento jurídico instituído pelo Estado, produzidas pela própria sociedade em uma mesma base territorial vigendo concomitantemente com o Direito positivo oficial. Temos regras de convivência dentro das penitenciarias, nas aldeias indígenas, nos acampamentos dos sem-terra e nas favelas das grandes cidades.

Os traficantes de drogas condenam pessoas à morte e executam as sentenças. Os sem-terra entendem ter o direito legitimo de posse das terras invadidas, eles querem o Direito de propriedade, não o direito solidário e social.

O problema surge quando se conceitua o Direito Alternativo como sendo Direito paralelo.

Vive-se uma crise do Direito Dogmático, isto é, a ineficácia e a inércia do Estado impedem que o Direito alcance o seu objetivo de modernização. Em conseqüência dessa dificuldade estatal, o Direito Alternativo desponta como uma das opções, uma das saídas para a resolução de conflitos sociais.

Essa denominação (Direito Alternativo), não obstante seja desproporcional ao seu conteúdo – em nosso entender, mostra quão errado estiveram e ainda estão o exegeta, o jurista e o acadêmico ao desvincularem a aplicação do direito à sua finalidade de pacificação social e entrega justa dos direitos, de respeito aos direitos fundamentais. Alternativo em nosso país é proclamar que o direito não seja fim em si mesmo.

Que possa ele se adequar aos cânones da ciência jurídica e do Estado de Direito, impulsionando o desenvolvimento do direito para o alcance da eqüidade e justiça é nosso desejo.

Que sob a nomenclatura de "Direito Alternativo" quebre-se a ordem jurídica vigente. Que o direito seja "alternativo" em relação ao dogmatismo positivista que ainda vige dentre nós, que seja "alternativa" a essa concepção jurídica que não mais tem como atender aos anseios de uma sociedade desigual, incluída em um contexto de fome, pobreza globalização, competição, população crescente e violência. Antes de se proteger deve o direito proteger.

Leciona, por fim, o professor Lédio;

“O objetivo maior do direito Alternativo é lutar pela elaboração de um sistema legal estatal democrático, uma teoria jurídica sedimentada em princípios claros, igualitários e comprometidos com os interesses de toda uma sociedade. No momento em que o Estado suprir as necessidades da população, a alternatividade perderá seu sentido de luta por transformações sociais, pois se chegará perto da justiça concreta almejada por muitos [...]”,

 
REFERÊNCIAS

 
ANDRADE, L. R. O que é Direito Alternativo? Ed. Habitus, 2ª ed., 2001.

----------------------------------. Trabalho sobre o Direito Alternativo. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por rosefvsmu@gmail.com em 18 de setembro de 2008.
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Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT

ANDRADE, Ana Claudia Pereira de; MUNIZ, Rosaury Francisca Valente Sampaio.  Direito Alternativo – uma perspectiva para a  igualdade de direitos? Anais da XIII SEMOC - Semana de Mobilização Científica: Economia e vida: convergências e divergências: 18 a 22 de outubro de 2010, Salvador. – Salvador: UCSAL- Universidade Católica do Salvador, 2010. 1 CD-ROM-ISSN 2177-272X.